10 dez | Dia Mundial dos Direitos Humanos
Participantes do Projeto Chão Fértil criam e gravam música original.
Transformar o “eu participo” em “nós criamos e fazemos”. Deixar de ser uma pessoa isolada para ser parte ativa de um coletivo vibrante. Concretizar o direito à criação. Um direito que, embora contemplado na constituição portuguesa e na declaração universal dos direitos humanos, nem sempre se inscreve na experiência de todas as pessoas.
Na Casa dos Choupos ensaiamos este gesto todos os dias. Quando, por exemplo, um grupo de participantes do projeto Chão Fértil, compôs uma música. Deram-lhe forma ao longo de várias sessões. Escutaram-se. Discordaram. Recomeçaram. No fim, foram gravar num estúdio profissional. Esta experiência foi uma prática real de transformação. O que pode acontecer quando outras vozes assumem o centro da narrativa? Quando alguém que sempre foi objeto de políticas sociais se torna sujeito de criação. Quando uma organização social decide que o seu trabalho também é artístico, e que isso não lhe tira legitimidade, mas a reforça.
Durante os últimos dois meses, nas oficinas de improvisação musical e cantares tradicionais, passamos horas a ensaiar, escrever, compor, arranjar, harmonizar, afinar a coreografia das vozes do coro. “Todos sabem o que fazer, qual a ordem dos instrumentos, trabalhámos como músicos de estúdio” (Gil Alves, formador). Durante o processo de gravação ouvimos “se calhar aqui o meu instrumento não entra, é melhor deixarmos espaço para a voz”, ou “a letra está a falar de alguém que partiu, precisamos de silêncio aqui”. Foram decisões musicais, sim. Mas foram também decisões éticas. O que começou como um exercício de improvisação acabou como um ato de cidadania. Naquela tarde, cada pessoa teve espaço para experimentar. Repetiu-se o que se quis repetir. Parou-se quando se achou que estava bom.
Depois gravaram-se as vozes do coro Olarilolé. Ao criar um espaço dinâmico e colaborativo, o coro transforma-se na própria metáfora do processo criativo e ético. E oferece um espaço de encontro e de cidadania efetiva. “Vim para não estar sempre isolado em casa, nunca pensei, com esta idade, vir a aprender a dialogar em música”, contou o Sr. Manuel. A D. Irene reforçou que “nunca tinha estado num estúdio de gravação, vivo sozinha e estas atividades fazem-me bem, mentalmente e fisicamente”. Também o Sr. Ernesto chegou pela curiosidade, “ao início fiquei naquela, não tenho voz, mas comecei a gostar e nunca faltei, só quando fui de férias.” Por isso insistimos que o direito à criação artística é o direito a ter uma linguagem, a nomear o mundo, a imaginar alternativas. Ninguém transforma a sua vida se não puder imaginar outra. E ninguém imagina outra se não tiver com quem e onde o fazer.
No estúdio Caos Armado, um grupo de pessoas gravou uma canção. Todos deram o melhor de si, uns pelos outros. Evocou-se a alegria de viver, de estar em boa companhia, de imaginar, de criar.
Este ano, a ONU definiu como tema do Dia Mundial dos Direitos Humanos, que se celebra hoje, “o essencial de cada dia”, lembrando que os direitos humanos são concretos, possíveis e essenciais para a dignidade e a vida, incentivando o reconhecimento e a partilha desses valores.
O vídeo é do Délio Sá.
